terça-feira, 11 de junho de 2013

Eles sabem o que você quer ver


Editora Globo


Algoritmos já conseguem descobrir com antecedência quais filmes e músicas vão te agradar; seu gosto, dizem cientistas, pode ser previsto

Por texto João Mello* - ilustração Eduardo Ely - Revista Galileu - Ed. 261 - Abril 2013 - *viajou a convite do Netflix

Greg Harty liga o computador de seu quarto, em Los Angeles, e divide o monitor em dois: à esquerda, um filme; à direita, uma planilha de Excel. Tiros, tortura e sequestros acompanham o preenchimento da tabela. No item “cena de perseguição”, ele dá nota dois (o máximo é três). “Proposta central” recebe uma marca em “entretenimento com fundo levemente edificante” e “protagonista”, em “moralmente digno, com pequenas ressalvas”. O filme se chama Ato de Coragem e Harty tenta ser o mais objetivo possível. “Não devo dizer se a piada é engraçada. Devo dizer que ela existiu”, explica, afundado em sua cadeira, ao lado de uma estante apinhada de DVDs e livros de cinema. 
Começa aqui uma complexa trama de algoritmos que vai adivinhar o que você quer assistir. 
 
Ex-produtor da série de TV House, Harty é um dos 40 cinéfilos pagos pelo Netflix para ficar em casa assistindo a filmes. Especialistas como ele quebram e classificam os títulos em mais de 100 pedaços, usados depois para calcular as recomendações de obras com mais chances de o usuário gostar. Ter sugestões afiadas explica em boa parte como o Netflix se tornou o maior serviço de distribuição de conteúdo de cinema e TV online. Nos horários de pico, chega a ser responsável por 33% do tráfego de dados via internet nos Estados Unidos (o segundo colocado é um tal de YouTube, com 14,8%). Ao todo, três em cada quatro vídeos assistidos pelo Netflix só foram acessados porque um software jogou na tela do assinante um filme que, muito provavelmente, ele ia gostar. Isso importa tanto para a empresa que, em 2006, ela ofereceu US$ 1 milhão a quem melhorasse em 10% o algoritmo. Mas como prever algo tão pessoal quanto o gosto de cada um?

O sistema envolve muitas variáveis, mas a mais importante delas é saber o que pessoas que viram os mesmos filmes que você foram assistir na sequência (sim, aceite, seu gosto tende a seguir um padrão). Depois vêm as tags (aquelas coletadas por Greg Harty): as características mais recorrentes nos filmes que você tem visto ajudam a prever o que você gostará de assistir. Há um detalhe importante: o que você viu ano passado importa, mas o filme de ontem à noite entra com mais peso na previsão — faz sentido se pararmos pra pensar como um mau humor repentino ou um pé na bunda alteram nossa inclinação pra escolher um tipo de filme ou outro. A quantidade de tempo assistida de cada material também fica registrada. O algoritmo não vai entender que você amou um filme se você desistir de vê-lo após 10 minutos. 


Tudo isso entra num complicado algoritmo de cálculo de probabilidades, de onde saem as sugestões.
Um sistema semelhante é também a parte mais importante do Pandora, espécie de rádio online criada para tocar apenas músicas que você gosta (não disponível no Brasil). Por trás dessa pretensão, está o Music Genome Project, um gigantesco banco de dados que separa as obras por “genes”. Cada canção recebe mais de 450 deles, com nomes como “dançabilidade”, “intensidade emocional do vocal principal”, “nasalidade da voz do cantor” e “ornamentação melódica”. É claro que uma avaliação dessas não é para qualquer um; quem faz o serviço é um time de musicólogos contratados para ouvir e classificar as melodias. Depois do mapeamento, os usuários dão joinhas pra cima ou pra baixo ao ouvir a música e vão calibrando as indicações. “Mais de 20 bilhões de ‘likes’ foram dados. E ninguém, nem nós, nem os usuários, sabe dizer ao certo por que gostaram ou não daquela música”, diz Eric Bieschke, diretor de tecnologia de playlist do Pandora. Com os likes, o sistema vai encontrando os “genes” que você mais gosta e faz sugestões calculadas. Quanto mais você usa, mais ele acerta. 


CIÊNCIA DO GOSTO  
Áreas diversas como sociologia, psicologia, neurociência, economia e até biologia estudam o que faz ser possível reunir esse punhado de dados para prever nossas preferências. As pesquisas mostram que nosso livre-arbítrio é menos responsável pelas nossas escolhas do que imaginamos. Por isso, os cientistas tentam hoje entender como outros fatores influenciam nossas escolhas para que seja possível prever melhor o que escolheremos. Três desses fatores foram listados nos estudos dos biólogos Luigi Cavalli-Sforza e Martin Feldman, da Universidade de Stanford. De acordo com eles, autoridades (professores, padres) e preferências já consolidadas pelas gerações mais antigas têm um grande papel em como moldamos nosso gosto. O economista Alberto Bisin, da Universidade de Nova York, chegou a criar um modelo matemático para prever como a preferência dos pais influencia o gosto dos filhos. “A pressão dos pares induz ao conformismo, te leva a fazer o que todos do grupo estão fazendo”, diz Bisin.

Aí também entra um terceiro fator apontado pelos biólogos: a “influência horizontal”, dos amigos da mesma idade e com os mesmos interesses. Não à toa, a aba “10 mais populares no Netflix” é a segunda mais acessada do serviço, só perdendo para o “top 10 pessoal”: filmes que você não viu, mas que, graças ao sistema de previsão deles, provavelmente vai gostar. A influência dos pares pode ser tão grande que, num estudo publicado em 2010, o Ph.D. em psiquiatria Gregory Berns mostrou que o simples fato de exibir uma lista de “músicas mais baixadas”, antes de pedir a um grupo de adolescentes que avaliem uma série de canções, influenciava o quanto eles diziam gostar ou não delas.

Todd Yellin, o homem por trás do sistema de recomendação do Netflix, diz trabalhar em cima do papel dessa e de outras influências para que um dia o usuário (ou usuários, em breve o serviço deve contar com perfis múltiplos) de sua plataforma veja a recomendação de apenas um filme. Aquele filme. Ele admite que isso é uma utopia: “Somos criaturas complexas, nossos neurônios estão produzindo contradições o tempo todo”. Mas sabemos cada vez mais sobre essas contradições. “Gosto se discute sim — e se explica. Grande parte da música e do cinema comerciais buscam atingir médias de gosto, soluções que voltam a se repetir com pequenas variações”, diz Ronaldo Bispo dos Santos, especialista em experiência estética da Universidade Federal de Alagoas. No entanto, o que serviços como Pandora ou Netflix fazem já não é mais buscar a média do gosto de todos, objetivo das companhias de mídia em massa tradicionais. Eles querem, cada vez mais, uma média calculada para você, levando em consideração suas preferências anteriores e as daqueles que te influenciam.

  
Prezadas e Prezados, que impacto esses fatos podem ter no consumo de produção audiovisual jornalística? E como os jornalistas devem se preparar e construir suas produções?

19 comentários:

  1. Definitivamente não. Acredito que este tipo de trabalho se aplicará apenas ao entretenimento. O jornalismo em si não será classificado desta forma, até porque o telejornalismo é bem aberto (no sentido de pautas diversas) e está inserido no ordinário ou extraordinário.

    Em outras palavras, ele depende muito dos acontecimentos. É difícil prever o que ocorrerá.

    ResponderExcluir
  2. Este impacto hoje acho que não vai ser muito grande. Se tiver este impacto não acredito que será por agora. Como você vai classificar a notícias em notas e assim fazer um perfil do que você gosta ou não de ver. Noticia é muito mais complexo de ser classificada, cada tipo de emissora e jornalista tem uma forma de apresentar a notícia para chamar a atenção de alguém. A mesma notícia pode ser dada de formas diferentes pelos telejornais. Não creio que este tipo de classificação vá fazer diferença no jornalismo

    ResponderExcluir
  3. Acredito que o consumo do jornalismo não terá impacto dada a diversidade de notícias geradas. Ao aderir a essa tecnologia o telespectador não terá acesso a todo o conteúdo e algum acontecimento sobre algum assunto que não tenha passado pelo filtro de interesse pode passar despercebido. Exemplo, acredito que noticias como atentados terrorista não estejam entre os assuntos mais desejados, no entanto o telespectador ficaria sem acesso a conteúdos como o 11 de setembro.
    Quanto aos jornalistas estes devem se manter sempre atualizados e aberto a novas mídias e possibilidades.

    ResponderExcluir
  4. O jornalismo nao sofre impacto com essa grande diversidade de noticias, pois com todo uso de tecnologia na recepcao de noticias faz com que o telespectador escolha o que quer ver e aonde ele quer ver as noticias que sao de seu interesse. Essa é a melhor qualidade em ter outras fontes midiaticas, pois nao obriga ninguem a ver o que nao quer.

    Arthur Henrique Costa.

    ResponderExcluir
  5. A diversidade de notícias não irá causar nenhum impacto no jornalismo. Ninguém é obrigado a ver o que não quer. Uma notícia pode ser transmitida de diversas maneiras, acredito que as pessoas mudam de gostos e opiniões e podem mudar o seu interesse também. Quem deve fazer esse filtro é o usuário, não é o algoritmos que defini o que você quer assistir ou o que é do seu interesse. O ponto positivo é a organização de informações que facilita a procura pela informação.

    Ass: Camila Borges

    ResponderExcluir
  6. De fato, até mesmo no jornalismo, acredito que nosso livre-arbítrio é menos responsável pelas nossas escolhas do que imaginamos. Sabemos que as notícias são tendenciosas e que determinado público recebe determinada conteúdo. Conteúdo este que foi previamente preparado para se enquadrar a determinados perfis.
    Acredito que essa evolução, já existente, de um sistema que conhece e analisa suas preferências, irá alterar, talvez mais do que a forma como se faz a notícia, a maneira com que essa notícia é distribuída ao publico alvo.

    ResponderExcluir
  7. Não acredito no impacto desses fatos sobre as produções jornalísticas e nem vejo a necessidade de que nós jornalistas nos preocupemos com isso. Ao contrário dos filmes, o consumo de notícias acontece mais pelo impacto sobre a coletividade e influência das mídias, a divulgação em redes sociais e não pelo gosto do telespectador.

    ResponderExcluir
  8. Acredito que já vivemos esse impacto, principalmente no jornalismo online, somos direcionados as notícias que temos mais interesse. Claro que a notícia também conta com a questão do impacto, ou seja, quanto mais impacto ela causa mais vista ela é.
    Acho que os jornalistas devem se preocupar em criar notícias direcionadas para o seu público alvo, porque isso torna a notícia mais interessante.

    ResponderExcluir
  9. Acho que pela diversidade de notícias/pautas que o jornalismo propõe ao público é grande o suficiente para não causar tanto impacto. Já estamos vivenciando isso e até agora não vi nenhum problema para nós jornalistas. Claro que em determinados meios, como a internet é mais fácil esse tipo de dispersão, mas em TV e impresso, a diversidade de reportagens em uma mesmo canal e/ou programa faz o telespectador e leitor ficar interessando.

    ResponderExcluir
  10. A personalização de conteúdo já existe a algum tempo na internet. Ela aparece, mesmo que sutilmente, nas propagandas a que somos apresentados, músicas, filmes, séries e outras buscas que realizamos e somos direcionados na internet. O impacto disso no conteúdo jornalístico, acredito eu, não será grande, já que o profissional continuará escrevendo para sua audiências, pessoas que se interessam pelo assunto determinado. Já a forma de leitura, essa sim pode se modificar, já que a personalização direciona seus cliques pela internet.

    ResponderExcluir
  11. Não acho que irá afetar muito no jornalismo isso,pois o jornalismo tem varia ramificações ele não fica preso a nenhum tipo de matéria somente.



    Felipe Rezende

    ResponderExcluir
  12. Afetar no jornalismo creio que seja algo improvável, isso é somente algo para facilitar a vida de alguém para ver algo direto que seja do seu gosto refente ao estilo musical e cinematográfico. Para que não perca tempo na procura por algo que se é desejado. O jornalismo é amplo, tendo varias formas de repassar a informação a quem está interessado.

    ResponderExcluir
  13. Acho que nenhum impacto pode ser sofrido, tendo em vista que o jornalismo tende a ser mais dinâmico e as mídias convergentes, e com assuntos dos mais diversos. Os jornalistas podem continuar produzindo normalmente, porém com um olhar mais voltado para as novas tecnologias.

    ResponderExcluir
  14. Não acredito que há impacto, pelo menos não diretamente. As notícias divulgadas são diversificadas, isso engloba cultura, esporte, política, economia, etc. E isso atende a todos os públicos. Não seria interessante para um telespectador ficar por dentro só do mundo do esporte, por exemplo, sendo que assuntos de utilidade pública, por exemplo, afetam de uma maneira ou outra em sua vida. Mas o jornalista tem que ficar atento a novidades e possibilidades como essa.

    ResponderExcluir
  15. É natural que usem recursos, humanos e técnicos, para desenvolver seus negócios. Na produção jornalística devemos acompanhar essas pesquisas para orientação de mercado. Há um nicho da sociedade que segue mesmo a orientação midiática.

    ResponderExcluir
  16. O impacto desse tipo de direcionamento ao cliente já existe de uma certa maneira, tendo em vista as diferentes programações jornalísticas (jornais esportivos, jornais voltados para celebridades, etc). Justamente por isso, não haverá um impacto tão grande na programação jornalística, que deverá ficar atenta apenas às novas formas de consumo, como tv on demand (que é o caso do netflix), jornalismo online e convergências midiáticas.

    Leonora Laporte

    ResponderExcluir
  17. Essa personalização de conteúdo já existe na internet há algum tempo, principalmente em sites/portais de assuntos específicos, como saúde, esportes, celebridades e entretenimento em geral. Na minha opinião isso deve mudar sim a maneira do jornalista trabalhar, pois é preciso ter um cuidado maior com o conteúdo escrito para direcionar ao seu publico alvo.
    Jéssica Newman

    ResponderExcluir
  18. É interessante que o emissor seja ciente do que o seu consumidor aprecia, assim trabalhando para mante-lo bem informado. Esse tipo de mapeação não é algo atual. Isso existe há tempos. As empresas dos jornais impressos já sabem qual são os perfis de seus leitores e normalmente se adequam ao gosto deles.

    Creio que o o jornalismo não sofra impacto. Este meio é uma forma de criar mais um tipo de plataforma de informação como rádio, tv, etc.

    ResponderExcluir
  19. Influenciará, principalmente, no jornalismo cultural e crítico. Daqui uns anos as críticas feitas aos filmes serão padronizada, já que os gostos pelas produções também serão padrões. Porém, no cotidiano jornalístico não acjo que haverá grande impacto.

    Ass lorraine

    ResponderExcluir