segunda-feira, 7 de maio de 2012

Jornalismo televisivo prima pelo simplismo


 
Por Gedeon Freire de Alencar - Observatório da Imprensa - Caderno da Cidadania - Ed. 349 - 04/10/2005

Em 25/10 assisti a reportagem do Fantástico sobre a ação dos missionários da Jovens com Uma Missão no Brasil (Jocum) trazerem índios suruahá para tratamento médico em São Paulo: uma mistureba de sensacionalismo e passionalidade. Nada muito diferente do que eles fazem sempre. É sina de jornalismo televisivo: imagens, imagens, falas editadas e conteúdo pífio. Toda notícia na TV tem a profundidade de uma montanha. Não havia assistido no domingo anterior, mas, segundo me disseram, a reportagem fora bem positiva ao trabalho realizado pelos missionários. Depois, voltou ao "normal".
O jornalismo televisivo prima pelo simplismo, ainda mais quando se trata de jornalismo fantástico! Noticia uma tragédia onde morrem dezenas e, em seguida, mostra a nova moda brega. No mesmo pacote, ambas têm uma só objetivação: entretenimento.
Sobre a "notícia" em específico da ação dos missionários da Jocum, vejamos: a) uma frase isolada de uma fonte; b) uma frase isolada de um texto do site; c) uma frase isolada de outra fonte. E a conclusão fantástica: os missionários têm objetivação religiosa! Meu Deus, eu estou abismado com a genialidade deste jornalismo: os missionários têm motivação religiosa? Descobriram a roda! Então eu posso dizer que os jornalistas da Globo têm motivação jornalística? Não dava para fazer uma coisinha menos pior? Isso é uma mistura de burrice com preguiça de investigar.
Nenhum aprofundamento da questão antropológica e da saúde pública. Por que a Funasa não tem atendido? Falta remédio? Falta dinheiro? Falta pessoal? Nenhuma crítica à (falta de) ação governamental. Qual a solução da Funai e do procurador? Retirar os missionários do campo. Ótimo! Os índios matam os recém-nascidos com deficiência e depois se suicidam – e a Funai continua desempenhando seu papel. Qual?

O grande "mal"
A fala do antropólogo é uma pérola. Como a Funai não dá a devida atenção, os missionários fazem barganha religiosa com a saúde. a) Admite que a Funai não cumpre sua função; b) admite que os missionários cuidam da saúde. Ao ensejo, qual é o papel do antropólogo nesta história, além de fazer "análise" para a TV?
Se os antropólogos são os únicos que têm total acesso a estes povos, inclusive usando dinheiro público, porque eles não minoraram estas condições? A ação antropológica, pelo visto, se restringe, a ajudar a preservar o isolamento do grupo para o benefício da integridade étnica cultural, conquanto os suruahás continuem cometendo suicídio e infanticídio rituais. Não é sem motivo que, no meio acadêmico, antropólogo é conhecido como "legalizador de taras". Pois, na medida em que estas práticas rituais sejam "destruídas" pelos missionários, coitados dos antropólogos, perderão um amplo campo de pesquisa. Por amor à ciência, eles bem que poderiam realizar uma pesquisa participativa. Para a TV seria uma reportagem fantástica!
Qual é, enfim, o grande "mal" da ação missionária? Ter tirado os índios da aldeia para trazê-los para tratamento médico na cidade. De fato estes missionários merecem uma ação justa da procuradoria federal, uma reprimenda da Funasa, uma expulsão da Funai e toda uma condenação científica. Salvar vida de índios é um crime. Selvagens isolados em seus costumes primitivos, ao serem trazidos para nosso meio, vão usufruir do nosso sistema de saúde; vão conhecer os benefícios de nossa civilização e não vão querer mais voltar ao seu primitivismo! Índio bom é índio morto, suicida, primitivo, selvagem em seu estado natural o mais longe possível. Afinal eles estão assim há 500 anos, e mesmo com ajuda do governo e da ciência não conseguimos matá-los em definitivo. Mas se os deixarmos assim só mais um pouquinho de tempo não será necessário lembrarmos deles. Para manter isso como estar, já temos a Funai executando seu papel tutelador.
Portanto, a Procuradoria precisa agir rápido, senão os missionários salvam os índios das doenças, dos suicídios e dos infanticídios, e os antropólogos não poderão salivar diante das taras e fazer suas teses acadêmicas. E o Fantástico ficará cada vez menos fantástico!

Prezadas e Prezados, dêem sua opinião.

13 comentários:

  1. Fantástico não é o programa, e sim esse texto que explicita tudo o que sempre pensei e que agora posso opinar. É fácil na televisão, impressionar com imagens, músicas e dizer qualquer coisa para convencer. As pessoas usam a visão como seu maior e melhor meio de tomar o saber, daí a emoção aflora e a imagem é tudo. Mas não é assim, o que vemos deve ser filtrado e avaliado. Só depois desse processo é que se pode dar ao luxo de se "embreagar" com as imagens.
    Programas de baixa qualidade, mentirosos sempre encontraremos, principalmente no que diz respeito a emissora que se vendeu para a ditadura, mas isso já é outro assunto.

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  2. A reflexão do autor é muito pertinente, eu diria que é fantástica.A cada dia a tv aberta perde mais em relação ao conteúdo vinculado.
    A preocupação com o que será divulgado se perdeu, isso por que estamos falando de um programa divulgado na maior emissora de tv aberta brasileira.
    devido a isso e a outros fatores que a cada dia esse tipo de programa perde a audiência.

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  3. Ao contrário de seus muito bem feitos programas de conteúdo jornalístico, a Rede Globo parece ter "perdido a mão" do Fantástico. Não fica clara exatamente qual a intenção do programa, em qual categoria ele está inserido. O que se sabe é que a luta, obviamente, é pela audiência.

    Partindo disso, seu conteúdo tem sido produzido com essa intenção, se desgrudando um pouco do jornalismo. O interesse, como dito no texto, é de entreter, mais do que informar.

    Um simples erro de visão que vai, aos poucos, minando a credibilidade de um programa que já ofereceu conteúdo muito interessante, em um formato inteligente.

    Quanto à audiência, essa pouco se altera. A discussão é de âmbito da prática do jornalismo. Sendo o objetivo do programa atingir picos de audiência, ele é bem feito. De forma pobre e pouco jornalística, mas é.

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  4. Gedeon Freire de Alencar, foi fantástico ao mencionar que a globo está com preguiça de pesquisar, que os jornalistas teen motivação jornalistica? É bom pensarmos nisso enquanto ainda estudantes, aprofundarmos mais. para não cometermos os mesmos erros.

    O jornal e feito de credibilidade e a globo está perdendo a sua.

    de Gisele Sena

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  5. O programa deixou de ser Fantástico há muito tempo. Para a Rede Globo, dentre outras emissoras basta utilizar músicas, imagens e pronto.. Se fazer jornalismo televisivo for isso estamos enrascado. Acima desses dois itens é necessário um bom texto, aplicado a uma boa pesquisa dentre outras funcionalidades do jornalismo. A TV aberta necessita de bons programas e com qualidade. De que adianta mostra belas imagens se não utilizam bons texto. Isso tem que ser repensado, pois muitas emissoras perdem sua credibilidade por não saberem fazer um bom "casamento" de informações, imagens, sons, e fala, dentre outros ofícios. O que não pode é ter grande gafes, achando que está enrolando o público.

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  6. Na realidade o pensamento de quase todas as emissoras hoje em dia é o mesmo: a busca pela maior audeincia, e o "Fantastico" nao foge disso. Nao é de hoje que, a rede globo age desta maneira, o Fantastico deixou de ser jornalistico e passou a ser um programa de entretenimento, assim como a maior emissora de rede aberta na tv, fez com o globo esporte, ha pouco tempo, colocando um "palhaço" para apresenta-lo, o thiago Leifert. O conteudo acaba sempre ficando em segundo plano.

    Tomas Pires

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  7. Programas com qualidade baixa, é o que mais encontramos por aí. O difícil é ter que aturarmos eles dizendo que são reportagens para você se impressionar. Não tem mais a preocupação com o que as pessoas vão pensar em relação ao conteúdo. São programas de entretenimento que leva a pessoa á acreditar que são reportagens para se dar credibilidade ao programa.E que são denuncias para que a população abra os olhos e veja onde esta sendo gasto o seu dinheiro ou o que o governo esta fazendo para a população. Uma montagem encima de imagens para deixar tudo muito bonito, tudo muito atraente. Mas esquecem que a população tem sua opinião e que a cada dia eles perdem audiência. Qual é o resultado que a Globo quer alcançar, com um jornalismo que antes era Fantástico e hoje na maioria das vezes , é somente balela para o público de final de domingo. Dessa forma só demonstram que querem mais audiência

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  8. Quando ligamos a televisão para nos informar, ao sairmos, temos a sensação de “vazio”, justamente por não ver envolvimento. Sensacionalismo isso vemos. Deve ser por causa da concorrência devido à audiência ou gostamos de sensacionalismo, notícias superficiais ou editadas sem o contexto real daquilo que a fonte passou?
    Partir para o simplismo pode parecer mais fácil e cada vez mais parece ser o mais usual. Talvez falte um maior comprometimento para com a verdade. De fato, percebo uma falta de ligação nas reportagens televisivas. Pouca identificação. Não importa se é “fantástico”; pois uma vez que se trata de notícia, deve haver profundidade, pesquisa, ouvir todas as partes, e para tal, ter o tempo adequado. Sem um envolvimento em todos os setores, o ser jornalista, vai perdendo seu sentido de ser. Seu papel é sempre de informar os fatos, doa a quem doer, tudo isso sem perder a ética e o bom senso.

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  9. Em relação à discussão, antes de julgarmos o culpado de tudo isso, se é o governo que se omite em relação aos indígenas, a Funai que não desempenha o seu papel ou a preocupação dos antropólogos na manutenção da cultura dos índios; a televisão tem o papel, numa proposta jornalística, de trazer algo novo, informações relevantes. Os programas jornalísticos têm pouco tempo de fato, mas é possível se fazer uma reportagem com o mínimo de profundidade. Quando se tem interesse, os telejornais e outros programas fazem séries de reportagem, em que um tema é amplamente discutido. Nesse caso em específico, o autor do artigo propõe uma série de investigações que renderiam uma ótima matéria, sem que com isso o assunto ocupasse mais espaço na grade da programação do fantástico. Ou seja, a reportagem foi conduzida de maneira errada.

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  10. Assim como ressalta o livro de Hélio Costa “Lembranças de Um Tempo Fantástico”, o programa na década de 70 a 80, já foi um show da vida, hoje em dia não passa de uma releitura semanal de notícias, e uma tentativa exacerbada de ser investigativo, sem dar aula alguma de jornalismo, apenas seguindo uma “globalização” das notícias tentando dar os seus primeiros passos.
    Tornou-se um programa de entretenimento e apenas é uma revista semanal, nada surpreendente, além disso.

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  11. Tive a oportunidade de assistir essa "reportagem" no dia em que foi exibida. Realmente as imagens fazem e dizem o que querem para as pessoas.

    Cabe a nós como futuros jornalistas tentar fazer da nossa profissão uma realidade, mesmo no meio dessa luta de leões pela audiência independente do meio.

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  12. tatiane kely ribeiro29 de junho de 2012 às 12:41

    Penso que os telejornais que são simplistas e se resumem em editar falas de algumas fontes, são programas comprometidos com o entretenimento, pois não se vê profundidade em suas reportagens.
    Numa reportagem como esta que envolve missionários se mobilizando para tratar da saúde dos índios, deveriam ouvir no mínimo o que a Funai tem a dizer.

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  13. Como falei no post anterior. O jornalismo contemporâneo preza pela estética e peca no conteúdo. Mas podemos exigir conteúdo de uma empresa jornalistica que serve a interesses que em nada são refletem as demandas da sociedade? Creio eu que não.

    Em uma época onde a verdade é pautada pela midia e a imagem é a prova cabal, deparamo-nos com situações como estas. E acreditem, o fantástico ainda é o que temos de "melhor" no jornalismo da TV aberta.

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